Era uma vez um menino, como tantos outros, moldado pelo vento suave da simplicidade e pela firmeza de um lar de valores antigos. Sua vida não se vestia de ouro nem de grandiosas façanhas, mas era plena, como um riacho que corre sereno entre as pedras, sempre encontrando seu caminho.
O jovem crescia entre sorrisos sinceros e abraços cálidos, protegido por aqueles que o amavam. Mas dentro dele, nos recônditos de sua mente inquieta, havia sombras que dançavam ao som de perguntas sem respostas. O mundo ao seu redor era sólido e previsível, mas sua alma ansiava por algo que não sabia nomear.
Em noites silenciosas, sua mente tecia pensamentos como fios de um tear desgovernado, e, por vezes, caía em prantos ao perceber que não encontrava repouso nos labirintos de sua própria razão.
Não conhecia os sábios que poderiam ajudá-lo a compreender tais tormentas. Seus pais o amavam, seus amigos riam ao seu lado, mas como lhes contar sobre os conflitos invisíveis que carregava? Assim, recolhia-se às suas tempestades internas, enfrentando-as sozinho, como um guerreiro sem espada em uma batalha que não sabia travar. E, no entanto, naquele tempo, quando o escárnio dos outros era visto como um fardo a ser suportado em silêncio, ele seguia acreditando que era feliz.
A vida, para ele, era como um vasto mar envolto em névoa, sem mapa que lhe dissesse para onde os ventos o levariam. Tudo poderia desdobrar-se em maravilha, como um reino oculto além da última colina… ou poderia ruir como castelos erguidos sobre a areia. Entre o temor e o sonho, ele continuava a caminhar, e assim teria seguido, não fosse pelo convite inesperado de um amigo.
Um amigo... Não era um estranho, nem alguém que surgira do nada. Seus pais o haviam apresentado àquele companheiro há tempos, mas até então, suas vidas apenas se tangenciavam, como estrelas que brilham no mesmo céu, mas em órbitas distintas.
Conhecia suas crenças, suas ideias, mas sem nunca ter deixado que elas tocassem sua própria visão de mundo. Afinal, amizade verdadeira não nasce no primeiro olhar, nem se forja apenas em palavras. Amizade, pensava ele, é como uma árvore que precisa de raízes profundas para crescer forte.Mal sabia ele que aquele convite, tão simples e despretensioso, tinha o poder de mudar o rumo de sua história para sempre.
Dizem que muitos só procuravam por esse Amigo nas sombras dos dias difíceis, quando o vento rugia e as estrelas pareciam se esconder. Alguns vinham pelo caminho da dor, guiados pelo desespero como um viajante perdido na neblina.Mas o garoto? Ah, ele viera por um chamado mais doce, por um fio de luz que desde cedo lhe aquecera o coração.
O convite não parecia tão grandioso como os decretos dos reis, nem anunciado em trombetas como as proclamações de guerra. Era simples, mas carregava o peso de um segredo antigo, um mistério que só os corações atentos podiam compreender: "Vem e conhece-me melhor. Aproxima-te de mim, e eu me achegarei a ti. Bate à porta da minha morada, e eu a abrirei para ti."
E assim, diante dele, erguia-se uma porta antiga, cujos contornos pareciam tremeluzir como o limiar entre dois mundos. Tudo o que precisava fazer era bater... O convite ressoou no coração do menino como o eco de uma canção antiga, uma melodia que parecia ter sido escrita antes mesmo que ele pudesse entender seu significado.
Algo dentro dele estremeceu, uma mistura de espanto e ternura, e então, incapaz de conter a pergunta que lhe queimava os lábios, ele sussurrou:
— Mas… por que eu?
Seus olhos buscavam a face do velho Amigo, ansiosos por uma resposta. O que havia nele de especial? Por que, entre tantos, aquele chamado lhe fora entregue?
O Amigo sorriu, um sorriso cheio de segredos e de amor, e suas palavras vieram suaves como a brisa da manhã, mas carregadas de um peso eterno:
— Eu te escolhi para ser meu amigo antes mesmo que teu primeiro fôlego tocasse este mundo. Quero compartilhar contigo tudo o que tenho, conduzir-te por caminhos que teus olhos ainda não podem ver. Não porque tenhas feito algo para merecer… mas porque a Graça te encontrou primeiro.
E naquele instante, o menino sentiu como se um véu tivesse sido rasgado diante dele, como se estivesse diante da porta de um reino que sempre existira, esperando apenas que ele aceitasse o convite para entrar.
Ricardo Rodrigues

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